No dia 4 de junho de 2021 fiz a minha primeira escalada
clássica fora do Rio de Janeiro e, de longe, a minha via mais longa até hoje. A
Chaminé Cachoeiro no Pico do Itabira, Cachoeiro de Itapemirin/ES. Foram 17h
escalando e 26h até voltar para a base. Um tipo de via que você sai achando que
nunca mais vai voltar, mas quando toca o chão da base na volta, dá aquela
sensação única de missão cumprida. É uma vontade leve..., mas crescente, de
voltar um dia. Nesta via teve Arbusto que virou personagem da escalada, um
encontro contrariando todas as probabilidades, avistamentos de corujas brancas,
seus filhotes e ninhos com ovos. Também teve ninho de urubu, corda prendendo no
final da via, escalada varando a noite, bivaque não planejado e tudo que uma
aventura precisa para ficar na memória de um montanhista.
Tudo isso começou com uma proposta do Leandro e Blanco.
Fazer uma viagem para fora do estado para escalar. O objetivo era escalar a
Chaminé Cachoeiro do Pico do Itatiba, uma escalada clássica do Espírito Santo,
próxima da cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Na época, não conhecia nada sobre
o pico ou qualquer via do Espírito Santo, mas já gostei da ideia e comecei a me
planejar. No início era uma escalada com duas cordadas de 2, mas logo se
transformou em uma cordada de 3 com a desistência do Marcelo Correia. Ele ainda
estava voltando a pegar o ritmo de escaladas mais fortes. Sendo assim, a
cordada seria formada por mim (Luis Avellar), Blanco e Leandro do Carmo.Todos
do CNM.
A viagem aconteceu no feriado de Corpus Christi entre o dia
3 e 6 de junho de 2021. No primeiro dia, fomos até o Pico do Frade com outras
pessoas do CNM que estavam na viagem. A via é bem fácil e o acesso era próximo
dos Chalés dos Frades, onde estávamos hospedados. No dia seguinte (sexta-feira,
4 de junho) iríamos acordar cedo para fazer a via. Porém nessa quinta sofremos mais
uma baixa na cordada, o Leandro.
Na verdade, a baixa já era esperada, mas nesse dia tivemos
certeza que o Leandro não iria ter condições de ir. Durante o nosso treinamento
para a via, subimos duas chaminés clássicas do Rio, a Chaminé Stop e Chaminé
Gallotti no Pão de Açúcar. Na segunda começamos pelas duas primeiras enfiadas
do Lagartão e emendando na Gallotti. Na saída do lance da meia lua, num domínio
de platô, Leandro acabou apoiando uma costela na rocha e acabou forçando ela
durante o movimento. A costela não quebrou, mas gerou dores que
impossibilitaram sua subida ao Itabira. O teste definitivo foi na subida dos
degraus para o cume do frade na quinta-feira. Leandro teve muita dificuldade e percebeu
que não tinha condições de encarar a via no dia seguinte.

(Foto: Luis e Leandro no cume da Pedra do Frade) Desta forma, fomos apenas eu e Blanco para tentar a via.
Vimos instruções do acesso no guia de Escaladas Capixabas e lemos os poucos
relatos de repetições. Pelos relatos percebemos que a via era bem estafante,
longa, com muitos trechos de escalada fechados por vegetação e árvores secas. Alguns
bons escaladores desistiram no meio e voltaram, outros tiveram que dormir no
meio da parede e os mais bem sucedidos chegaram ao cume de madrugada, dormindo
lá (o que acabou sendo o nosso caso). Também, como não sabíamos como seria o
acesso ou se conseguiríamos entrar pela propriedade do pessoal do @eco_park_itabira
(que descobrimos serem pessoas muito simpáticas e hospitaleiras). Saímos apenas
no nascer do sol e já estávamos esperando descer no meio da via sem chegar ao
cume.
No entanto, ao chegar à propriedade nos deparamos com o
portão fechado.O filho dos proprietários nos encontrou por acaso. Ele disse que
teríamos que marcar entrada com antecedência. Nesta hora já começamos a pensar
que teríamos ter que abortar a missão. Porém, ao contatar a proprietária, ela
disse que estava tudo acertado e que poderíamos entrar. Não entendemos na hora,
mas subimos até o estacionamento da casa e fomos muito bem recebidos.
Nesse ponto aconteceu algo muito improvável que mudaria a
nossa história no Itabira. De acordo com o pessoal local, a Chaminé Cachoeiro
não havia sido repetida há pelo menos 2 anos. No entanto, contra todas as
probabilidades, dois escaladores chegaram logo em seguida para fazer a mesma
via. Os dois eram o Gustavo Diniz (@diniz.gustavo) e a Lívia Cardoso (@liviascardoso)
do CERJ.
Eles já chegaram bem mais confiantes do que nós. Estavam bem
equipados, com direito a clip stick, cobertor de emergência, muitos móveis e tudo
que pudesse precisar para superar esse desafio. Eles nos propuseram fazer uma união
de forças CERJ/CNM para vencer o desafio. Ainda afirmaram: “Não vamos descer
antes de conquistar o cume!”
Essa atitude nos animou, mas ainda estávamos descrentes que
seria possível terminar a via. Eu e Blanco combinamos de decidir de seguir com
eles e avaliar se continuaríamos dependendo do andamento da escalada. O
deadline para desistir seria 15h.
Seguimos para a base da via por uma trilha bem aberta com trechos
de corda fixa e degraus de vergalhão até a base da via. O filho da proprietária
nos guiou até quase na base da via. Avistamos o começo da subida, que era um
misto de agarras e chaminé até a parada (P1).
1° Enfiada
Foto: Blanco na Primeira Enfiada
Começamos a escalar às 8h. Gustavo logo se prontificou a
começar guiando, seguido pela Lívia. Ele puxou as mochilas com uma corda e logo
subiu o Blanco e eu.
O começo da enfiada é relativamente fácil, com boas agarras
e pequenos platôs. No final começa um trecho de chaminé mais larga em que
precisa esticar bem as pernas, com as costas ainda na parede, para conseguir passar.
Ali já deu para sentir o gostinho do que seria quase toda a via, que é
predominantemente em chaminé, indo de muito estreita até larga.
Como a P1 era em um platô muito estreito (como iriamos ver
em quase todas as paradas), o Gustavo seguiu para a segunda enfiada, enquanto
Lívia e Blanco ficaram na P1. Eu acabei ficando pendurado pela corda no final
da enfiada, meio sentado, meio entalado na chaminé.
2° Enfiada
Na segunda enfiada era necessário subir um pouco mais até um
grampo “pé de galinha” antigo, montar um rapel e fazer um pêndulo saindo do
primeiro sistema de chaminés para a P2 que fica bem abaixo de outra chaminé que
corre em paralelo. No nosso caso, colocamos um móvel para servir de backup do
grampo antigo.
O pêndulo é um pouco desconfortável de fazer. O grampo fica
bem dentro da chaminé e é preciso sair indo numa diagonal bem forte e curta
para a direita. Algumas mãos e pés bons na saída da chaminé ajudam a fazer o
lance melhor.
Foto: Lívia após o primeiro pêndulo.
Gustavo chegou até a P2, seguido pela Lívia e já começou a
adiantar a terceira enfiada. Eu e Blanco ficamos esperando na P1.
3° Enfiada
A terceira enfiada tem trechos de escalada expostos, em
fenda, chaminé e agarras. Chega em um grampo alto dessa chaminé e faz um novo pêndulo
para a direita até a P3. Gustavo decidiu sair do grampo anterior até a P3 em uma
horizontal. Acabou funcionando bem, já que a fenda não é tão funda e a passada
é um pouco mais fácil que a anterior. A P3 é uma parada dupla bem aérea, em que
se fica pendurado apoiado em pés pequenos. Mais acima começa o terceiro sistema
de chaminés que seguem em paralelo nessa parte. Essa segue até chegar ao cume.
Enquanto eu e Blanco estávamos chegando nesta parada,
Gustavo começou a escalar até a P4.
4° Enfiada
Foto: Gustavo na chaminé apertada da quarta enfiada.
A quarta enfiada começa com uma fenda pequena que se torna
uma chaminé apertada. Essa chaminé é tão apertada que te obriga a tirar o
capacete para conseguir virar a cabeça ou sair um pouco da chaminé, ficando bem
mais exposto. Esse é um dos CRUXs da via, um 6° grau. Durante essa parte
Gustavo teve até que afrouxar um pouco a cadeirinha para conseguir passar.
Logo depois é preciso passar por uma vegetação no meio da
chaminé que atrapalha bastante a passagem. Mesmo tentando desviar, volta e meia
éramos “capturados” por galhos que entrelaçavam no equipamento e nos seguravam.
Gustavo parou em uma proteção dupla logo antes do segundo
trecho de mato fechado, onde há blocos de pedras entaladas em uma chaminé
média. Achávamos que ali já era a P4, já que esta dupla não estava no croqui. Acabamos
contando as paradas erradas até a P6 por conta disso. A partir daqui começamos
a quebrar a cabeça tentando entender onde estávamos na via.
O “CRUX do Arbusto”
Esse trecho merece um capítulo próprio. Essa via tem um Arbusto
que acaba sendo um personagem próprio nesta saga. Tenho certeza de que nenhum
integrante dessa cordada, das cordadas anteriores ou, possivelmente, das
próximas vai esquecer! Esse elemento da natureza se tornou um CRUX vivo da via!
Gustavo continuou guiando nessa parte, conseguiu avançar bem
antes da P4 verdadeira. Aqui encontramos o nosso personagem. Ele estava
solitário e tranqüilo em seu esplendor, no meio da chaminé que deveríamos
passar. O Arbusto se mostrou bem mais fechado que o anterior. Parecia
intransponível à primeira vista. Gustavo ficou bastante tempo tentando ver uma
possibilidade de passar do arbusto. Chegou até a entrar mais na chaminé por
trás dos blocos entalados e tentar passar por trás num buraco bem estreito, na
esperança de contornar nosso amigo. Só que, o buraco não seguia muito adiante e
terminava no meio desse arbusto.
As enfiadas até aqui acabaram sendo bem demoradas por conta
dos pêndulos e do trecho de vegetação, bloqueando o caminho. Já era perto de 14h
e eu comecei a pensar que teríamos que começar a descer. Ainda faltavam muitas
enfiadas e começamos a pensar, que dificilmente chegaríamos ao cume de dia. No
entanto, vendo a dificuldade e empenho do Gustavo, resolvi ir até ele para
ajudar. Chegando lá, encontrei Gustavo tentando subir entalado no buraco dando
de cara no Arbusto de novo, agora pelo lado de dentro da chaminé.
Aquele trecho, de fato, parecia intransponível. Galhos se
espalhavam por toda a passagem, bem resistentes e pontudos. Uma quantidade
muito grande de galhos secos ainda ficava presa no emaranhado, piorando a
situação. Não havia como contornar. Tínhamos que perturbar a paz do Arbusto. O
único jeito foi passar por dentro dele em um trecho vertical sem a possibilidade
de usar algum pé ou agarra da rocha.
Foto: "O Arbusto" visto de cima.
Gustavo me deu uma segunda segurança por dentro do buraco me
puxando para junto da rocha. Comecei retirando todos os galhos soltos que
conseguia. Depois comecei a tentar mover alguns galhos para o lado para passar.
Era bem difícil. Os galhos eram bem resistentes ao movimento. Com muito esforço
achei um lugar melhor para empurrar. Gustavo retesou a corda, encaixei um pé na
única parte acessível da rocha e subi uns 50cm, para dentro do arbusto.
A situação ali ainda era pior. Mais galhos por toda a minha
volta, ainda mais resistentes, muitos na minha cabeça. Todo o equipamento
agarrava a cada movimento. Não conseguia nem mover a cabeça direito para olhar
em volta. A partir daqui tinha tantos galhos em volta de mim que tive certeza
que não cairia mesmo que quisesse. Era mais fácil ficar preso de vez.
Consegui afastar alguns galhos bem duros, me espremer e
passar devagar, lutando para o Arbusto me deixar passar. Tive que, efetivamente,
“nadar” nos galhos, já que não conseguia mais alcançar qualquer parte da rocha.
Uma hora o arbusto desistiu de mim e achou mais fácil me deixar passar. Mas, até
tirar a perna de dentro foi difícil. Por sorte (ou azar) o arbusto era tão
forte que nem parecia que eu tinha passado por ali. Ainda estava intacto, mesmo
depois dos puxões e pisadas que dei para passar. Cheguei, enfim, na P4
verdadeira (achando que era a P5).
Foto: Platô da P4
Essa parada é na parte de baixo de um longo trecho de
chaminé. O platô era bem pedregoso e apertado, passando uma pessoa por vez ou
duas apertando, mas a chaminé era bem funda.
Dei segurança para o Gustavo, Blanco e Lívia, em seguida.
Todos passaram com a mesma dificuldade e, mesmo depois do último, o Arbusto se
manteve imponente e sólido onde estava. De fato, dá para considerá-lo como um
CRUX da via em si.
Quando chegamos nesta parada já passava de 15h e tínhamos
que fazer uma escolha. Descer dali ou continuar, correndo o risco de dormir na
parede. Só que, o Gustavo e a Lívia, com sua animação característica, nos
animaram a seguir. Disseram que as primeiras cordadas eram as mais trabalhosas
por conta dos pêndulos e vegetação fechada e que poderíamos chegar ao cume
ainda com luz. Na empolgação da passagem pelo CRUX do arbusto, fomos ingênuos
em acreditar que ainda poderíamos dormir na pousada naquela noite.
Curiosamente, nessa parte e em uma enfiada acima,
encontramos ninhos de corujas brancas, animal que nunca tinha visto antes.
Gustavo chegou a ver uma coruja adulta voando e um ninho com um ovo. Eu só
consegui ver um outro ninho em uma enfiada a frente com dois filhotes já
nascidos e bem maiores do que imaginava para um filhote de coruja. Também,
encontramos ninho de urubu com um ovo perto das últimas enfiadas.
Foto: Lívia na quinta enfiada
5° Enfiada
Apesar do nosso otimismo inicial, a via não ficou mais fácil
a partir daqui. Para cima haviam trechos técnicos e enfiadas mais longas. Além
disso, boa parte da nossa energia havia sido consumida nas enfiadas anteriores
e muita energia ainda seria necessária para as próximas.
Esta enfiada começou com Blanco substituindo o Gustavo na
guiada. O trecho de chaminé era mais constante e de dificuldade média, mas bem
longo. Em algumas partes precisa ficar bem esticado quando a chaminé ficava
mais larga. Começamos a levar as mochilas penduradas na cadeirinha. A
estratégia de rebocar todas as mochilas de uma vez, foi abandonada depois da
luta da Lívia para empurrar as mochilas através do “CRUX do Arbusto”. Como eu e
Blanco levamos apenas uma mochila, o primeiro da cordada subia mais leve,
enquanto os demais subiram cada um com uma mochila pendurada.
Subi logo após o Blanco. A P5 é um pequeno platô de pedra no
final do trecho de chaminé. Não dava para ficar em pé por conta dos galhos de uma
arvore. Livia e Gustavo começaram a subir logo em seguida. Peguei um folego,
bebi um pouco de água, dei uma olhada no croqui, deixei a mochila na parada e
comecei a guiar a enfiada.
6° Enfiada
Como estávamos contando as paradas errado, achávamos que essa
era a sétima enfiada. A enfiada que mais difícil da via.Terminar a 7° enfiada antes
de escurecer seria um alívio. Sendo assim, me apressei e comecei a escalar na
esperança de estar seguindo para a P7. Contornei a arvore e comecei a subir.
Estava esperando dois grampos logo na saída, mas não encontrei nenhum. Pensei,
“Pow, que estranho, né? Este croqui está muito errado...”. Fui subindo com
alguma facilidade e cheguei a uma pedra entalada em forma de laca que dividia a
chaminé em duas. Fui pelo caminho mais fácil, que era pela direita. Chegando ao
tetinho que tinha desse lado ia passar para a esquerda da laca. Porém, não
encontrei boas mãos ou pés e desisti da ideia de passar por ali. Tirei o móvel
que tinha colocado ali e desci até uma “chapeleta esquisita” que tinha antes.
Pensei, erradamente, comigo mesmo, “Haa! Esse deve ser o lance de VI da 7°
enfiada... Tava na hora de chegar...”. Decidi seguir para o lado esquerdo meio
em chaminé e agarras e passei bem pelo lance. Fiquei surpreso de ter feito um
“VI”, com tanta facilidade. Cheguei à parada, que deveria ser uma parada
natural, mas encontrei uma parada dupla num platô estreito que só cabia uma
pessoa. Olhei mais adiante e lá estavam os dois grampos logo na saída da
parada. Demorou para cair a ficha, mas era isso. Estava chegando na P6 e não na
P7.
Perguntei pro Blanco se ele ia guiar a próxima enfiada. Ele
pegou um folego, deixou a mochila comigo e logo começou a escalar enquanto os
outros começavam a subir até essa parada.
7° Enfiada
Logo que Blanco começou, achou estranho um trecho tão
exposto e forte naquela que deveria ser a 8° Enfiada. Nessa hora já estava
escurecendo e todos estavam bem cansados, mas, finalmente, caiu a ficha que
estávamos na P6 ainda.
Blanco foi protegendo em móvel onde dava e progredindo com calma
usando uma headlamp. Em uma parte, tinha um galho enorme atravessando um lance
bem atlético do VI. Ele testou o galho e pisou nele para avaliar o lance.
Quando foi tentar avançar, ouço um estalo alto. O galho caiu imediatamente e
passando perto de nós abaixo. Baita de um susto. Por sorte não acertou ninguém
e o Blanco caiu pouco por conta de um móvel que tinha posicionado.
Após o susto, continuou seguindo aos poucos até que acabaram
seus móveis e ele teve que fazer uma parada improvisada. Nesta hora, devido ao
anoitecer, ao cansaço e a sensação de não saber muito bem onde estava na via,
quase desistimos de continuar. Nem Lívia ou Gustavo estavam com disposição para
continuar também.
Foto: Night Climbing!
Mas não tínhamos muita escolha. Blanco não conseguia descer
de onde estava ou continuar. Não tínhamos muita noção do quanto faltava para a
P8 e que tipo de lances ainda tinham que ser superados para chegar lá. Juntei
um pouco de folego e comecei subir. Pensei, “Pelo menos, não preciso pendurar a
mochila na cadeirinha. Dá para botar nas costas mesmo, pois não tem chaminé aqui.
Que bom...”. Quando a gente está no sufoco é preciso ser otimista, né?
Fui subindo os lances com o folego que tinha e consegui
chegar até o Blanco. Chegando lá vi que ele tinha parado em um buraco onde ficava
de lado. Deixei algum material com ele e continuei com os móveis tirei de baixo.
Logo vi um piton antigo. Peguei o clip stick com o Blanco e clipei uma costura.
“Pelo menos parece que estou indo no caminho certo.”. Continuei seguindo em um
trecho de agarras e um trecho de chaminé até a parada natural. Enfim a P7.
Armei a segurança no começo do platô onde tinha uma árvore. Fiquei
deitado e deixei a luz da headlamp apagada enquanto dava segurança para o
pessoal subir. Tudo para juntar mais motivação para continuar escalando mais três
enfiadas até o cume. Quem ia chegando buscava encontrar algum lugar para sentar
e descansar naquela parada. A parada era grande, mas não dava para chamar de
confortável.
8° Enfiada
Já sabíamos que não iriamos dormir na pousa naquela noite. A
dúvida seria se iríamos dormir no cume ou se entregar ao cansaço e dormir sobre
alguma pedra naquela parada. Ninguém tinha mais disposição para guiar a
próxima. Mas nessa hora, Gustavo tirou o resto de energia do fundo da alma e
começou a escalar a enfiada. Isso foi o suficiente para nos motivar a seguir em
frente. Ele chegou bem na P8 e trouxe a Lívia logo em seguida. Fui o próximo.
Cheguei à parada, substituindo o Gustavo na segurança para que ele pudesse
continuar tocando.
9° e 10° Enfiadas
Foto: Cidade de Cachoeiro de Itapemirim vista da última enfiada
Gustavo passou de um lance exposto e forte logo na saída e
seguiu rapidamente pelo trecho acima, passou da parada natural da P9 e parou
apenas em uma parada opcional, já perto do cume. Estamos bem próximos do objetivo.
Já passava de meia noite quando cheguei nessa parada. Era um
platô bem amplo com bons espaços para deitar. Armei a segurança do Blanco, enquanto
Gustavo seguia para os últimos metros da via. Ele subiu bem o lance de Vsup, o
último lance mais difícil da parede. Passou da P10 e foi direto para os grampos
que tinha no cume. Chegando, enfim, perto de 1h da manhã no objetivo final e
gritando: “Cume!!!”
A Lívia foi logo em seguida. Depois eu e Blanco. Chegamos
perto de 2h da madrugada, totalizando 17h de escalada. Era um alívio ter
chegado lá. Só consegui tirar o material e deitar na pedra por uns bons minutos.
Enfim cume!
Nesta hora, não ligamos mais para ter que dormir no cume.
Era bom demais estar lá em cima.
Buscamos algum lugar que tivesse abrigo do vento, que já
estava bem gelado. Dormi numa pequena clareira da vegetação, suficiente para
conseguir deitar em um pouco de terra onde havia menos pedras para incomodar as
costas. Fiquei de anoraque e uma camisa uv enrolada nos pés (já que tinha ido de
chinelo e não conseguiria dormir com a sapatilha apertada). Coloquei uma corda espalhada
pelo chão e dormi algumas horas sobre ela até amanhecer. Todos fizeram algo
semelhante para dormir um pouco e encarar a descida, que não iria ser leve
também.
Descida
Foto: No cume do pico do Itabira
Acordei perto de 6h com uma chuva caindo. Não era muito
forte, mas chegou a molhar bem os equipamentos e a nós. Nos apressamos para
descer. Gustavo entrou em contato com o conquistador de uma via ferrata, que terminava
no outro lado no pico, para pegar informações para a nossa descida. A face
dessa via não tinha fendas e era bem vertical, as vezes negativa. A vista era
impressionante. Podíamos ver a base lá do cume em uma linha reta para baixo.
Mais de 300 metros de abismo.
A via não tinha grampos até perto da base. A descida era
feita por degraus feitos de vergalhão fincados na pedra a cada 75 cm. Começamos
a descer usando duas solteiras nos prendendo aos degraus. Eram muitas centenas
de degraus até a base. A mochila estava pesada e puxando o corpo para trás a
cada descida de degrau. Ainda era preciso fazer o procedimento com atenção para
não confundir as solteiras e acabar se enrolando. Depois de uns 30 min descendo
não parecia que tínhamos chegado na metade dos degraus. Peguei uma corda dupla
que usamos na escalada e começamos a descer em rapeis de 60 metros passando a
corda em 5 degraus de uma vez pelo menos. Foram três rapeis desses até chegar
finalmente à base. Uma das sensações mais gratificantes que tive em uma
escalada. Sensação de missão cumprida!
Recompensa!
Tudo que queríamos era chegar no estacionamento da casa e
seguir para a nossa pousada. No entanto, tivemos uma recepção que não esperávamos.
Primeiro, fomos recebidos com garrafas de água gelada na base, trazida pelo
conquistador da via ferrata, o Ezequiel. Depois, chegando à casa dos
proprietários do terreno (que na verdade era uma plantação de café e outras
coisas), fomos recebidos com um café da manhã muito bom. Tinha café, pão,
frutas, suco de graviola, e outras coisas mais.
Conversamos, contamos histórias e fizemos bons amigos.
Agradeço a todos que fizeram parte desta história. Espero
encontrá-los mais vezes pelas montanhas!
Luis Avellar
CNM – Clube Niteroiense de Montanhismo.
laam88@gmail.com
@luisaugustoeq (Instagram)
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Pico do Itabira |
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Luis e o Pico do Itabira ao fundo na trilha de acesso. |
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Blanco na trilha atá a base |
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Luis pendurado antes da P1. |
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Vista da P2 de cima. |
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No cume do pico do Itabira |
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No cume do pico do Itabira 2 |
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No meio da descida pela via ferrata |
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Os quatro descendo a trilha de acesso. |